quarta-feira, 31 de março de 2010

Geologia

Kirstie Cohen: Ice Mountain

Andamos horrorizados com as notícias. Corrupção, pedofilia, terrorismo...
Serenamente aceitamos as dificuldades que a natureza nos traz... mais difícil é aceitar o que de mau vem do coração do homem. Gente de bem, protegem-se uns aos outros... mas um dia o chão pode virar.

José Rui

GEOLOGIA

Às vezes são homens de bem
empurrados para esta vida,
resquícios de erosão da montanha,
paisagens antigas
enterradas sob o gelo.

Nada está garantido
numa geologia tão frágil. Este chão
pode virar-se sem aviso.
Ainda assim, sejam bem-vindos,
fiquem tristes à vontade.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Hormona, meu amor

Através de uma amiga no Facebook, tomei conhecimento de um artigo publicado no caderno de ciência do Diário de Notícias. Já tem algum tempo, mas não passou a sua validade e interesse:


O amor, hormona a hormona
por S.G.09 Fevereiro 2009

«As formas de aproximação dos indivíduos variam consoante a produção de hormonas: do impulso sexual ao amor companheiro, descubra as hormonas na origem de cada fase na relação de um casal.
"Para a satisfação do impulso sexual qualquer coisa serve", considera António Santinho Martins, endocrinologista e sexólogo. Quando se procura apenas a satisfação física, é a hora da testosterona, tanto para os homens como para as mulheres. Se, por um lado, um alto nível desta hormona parece contribuir para a predisposição sexual, depois da excitação também ajuda a preparar o corpo para a relação sexual.
Porém, o prazer que se retira de um simples impulso sexual pode resultar numa maior aproximação do casal, numa paixão a que os especialistas chamam "amor romântico". Este tipo de amor é marcado por emoções intensas, rápidas mudanças de humor e erotismo. "No amor romântico há uma fase de monomania, de obsessão pelo namorado", refere Santinho Martins.
No entanto, o sexólogo confirma que esta paixão ardente também pode ser perigosa se demorar muito tempo: "Há um grande desgaste energético. Começa-se a afastar dos amigos, da família, dos deveres familiares." E a culpa é de três neurotransmissores: o aumento de dopamina e noradernalina proporcionam energia e boa disposição. Já a diminuição da serotonina parece contribuir para o sentimento de obsessão pelo outro.
Catarina Soares, psicóloga clínica, considera que esta fase de paixão "terá a função de juntar pessoas, mas tem de ser breve devido à sua intensidade". Chegará então a altura de pôr fim à paixão. Ou porque as pessoas percebem que "não são capazes de viver juntas" ou porque se passa à fase do "amor companheiro", entende Catarina Soares. O amor companheiro é construído pelo afecto de duas pessoas que vêem as suas vidas ligadas, como é o caso de casais que estão junto há muito. Duas hormonas fomentam esta fase de vínculo. A ocitocina, chamada "hormona do amor", tem a faculdade de ligar as pessoas e de suscitar prazer. Já a vasopressina é uma promotora de fidelidade


Apetece perguntar: Iremos um dia tratar o amor com comprimidos?

domingo, 28 de março de 2010

Também este crepúsculo

Beethoven: Romance para Violino e Orquestra Nº 2 (Ann Fontanella, Violino)


Também este crepúsculo nós perdemos.
Ninguém nos viu hoje à tarde de mãos dadas
enquanto a noite azul caía sobre o mundo.

Olhei da minha janela
a festa do poente nas encostas ao longe.

Às vezes como uma moeda
acendia-se um pedaço de sol nas minhas mãos.

Eu recordava-te com a alma apertada
por essa tristeza que só tu me conheces.

Onde estavas então?
Entre que gente?
Dizendo que palavras?
E porque vem até mim todo o amor de repente
quando me sinto triste, e te sinto tão longe?


Caiu o livro que sempre escolhíamos ao crepúsculo
e como um cão ferido rolou a meus pés minha capa.

Sempre, sempre te afastas pela tarde
para onde o crepúsculo corre apagando as estátuas.


Pablo Neruda (1904-1973)
in Vinte poemas de amor e uma canção desesperada

quarta-feira, 24 de março de 2010

Descubra a diferença

Não compro CDs ou DVDs de música barroca sem ser interpretada com instrumentos idênticos aos da época, e interpretada de acordo com o rigor estilístico do que hoje sabemos sobre a música dessa época (de 1600 a 1750).
Não se trata de uma birra, musicalmente faz toda a diferença! As grandes massas orquestrais e interpretações ao estilo romântico, desvirtuam completamente as obras. Vamos fazer aqui uma comparação usando a conhecida Ária da Suite de Orquestra Nº3, BWV 1068.
Uma orquestra moderna - reparem na uniformidade sonora e na ausência de fraseado e da característica ornamentação típica do barroco. Parece um discurso quase sem pontuação! E reparem que escolhi a versão de um conceituado maestro que todos conhecem: Herbert von Karajan.




Agora uma interpretação autêntica (em instrumentos e em estilo), tocada por Amsterdam Baroque Orchestra, dirigida por Ton Koopman. Reparem na clareza das linhas melódicas, o diálogo entre os instrumentos, a riqueza das subtilezas tão elegantemente criadas pela ornamentação, a suavidade das cordas (de tripa, como na época), o cuidado nas arcadas... tudo é diferente! Esta é a música barroca!


Acredito que para alguns ouvidos ainda "presos" às interpretações de tradição romântica, seja mais fácil ouvir a versão com instrumentos modernos. Mas olhem que não era assim que se tocava na época de Bach... comparando com um quadro, diria que esta interpretação é uma reprodução próxima do original, enquanto a anterior não é mais que um cartaz (bastante ampliado!).

segunda-feira, 22 de março de 2010

domingo, 21 de março de 2010

Dia Mundial da Poesia

Celebra-se hoje o Dia Mundial da Poesia. Criado na XXX Conferência Geral da UNESCO em 16 de Novembro de 1999, tem propósito de promover a leitura, escrita, publicação e ensino da poesia através do mundo.

Não sendo eu poeta, delicio-me lendo a arte de outros, e essa aqui procuro divulgar.

Como dizia Jorge Luís Borges, "Que outros se gabem dos livros que lhes foi dado escrever, eu gabo-me daqueles que me foi dado ler."

A divina tarefa

Susan Hazard: Spring Poppies I (2005)
(As nossas mãos humanas vão fazendo com que cada Primavera nasça mais triste. E há tanta beleza em cada flor que desperta... divina, essa tarefa que a natureza tão bem realiza!)

Não, tu não sabes abrir os botões
e convertê-los em flores.
Sacode-los, bates-lhes...
mas não está em ti fazê-los florescer.
Mancha-os a tua mão;
rasga-lhes as folhas
desfá-los na poeira...
mas não tira deles
nem cor nem perfume.

Ai tu não sabes abrir o botão
e convertê-lo em flor!
O que pode abrir os botões,
fá-lo tão naturalmente!

Olha-os, nada mais,
e a seiva da vida
corre pelas veias das folhas.
Toca-os com o seu bafo,
e a flor abre as asas
dando voltas no ar;
aparecem as suas cores
ruborizadas como anseios do coração;
e o perfume
trai o seu doce segredo.
Ai, o que sabe abrir os botões,
fá-lo tão naturalmente!
(1861-1941)

quarta-feira, 17 de março de 2010

Haja o que houver

Quem leu o meu perfil ou visitou o meu MySpace já percebeu que gosto de música electrónica. Contra-senso para quem teve formação clássica? Nem por isso! A dita clássica também usa electrónica!
Mas o tema que aqui lembro, Haja o que houver, nem sequer é clássico, e tornou-se num clássico. É uma das mais belas baladas da música portuguesa. Mas poucos se lembrarão da versão electrónica! Foi editada num CD quase marginal: Madredeus Electrónico

segunda-feira, 15 de março de 2010

Passamos pelas coisas sem as ver


Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Bach Panther

Quem não se recorda do standard de Jazz usado no genérico da "Pantera Cor-de-Rosa"?
Aqui o temos tocado por The Terry Gibbs Band com o próprio compositor, Henry Mancini, ao Piano:



E se este tema servisse de base a uma composição ao estilo das fugas de Bach?
Isso o fez Stéphane Delplace, com um resultado extraordinário.
Tem passado regularmente no canal Mezzo:

sexta-feira, 5 de março de 2010

Meu país desgraçado

Joana Vasconcelos: Coração Independente


















Meu país desgraçado!...
E no entanto há Sol a cada canto
e não há Mar tão lindo noutro lado.
Nem há céu mais alegre do que o nosso,
Nem pássaros, nem águas…

Meu país desgraçado!...
Por que fatal engano?
Que malévolos crimes
teus direitos de berço violaram?

Meu Povo
de cabeça pendida, mãos caídas,
de olhos sem fé
- busca, dentro de ti, fora de ti, aonde
a causa da miséria se te esconde.

E em nome dos direitos
que te deram a terra, o Sol, o Mar,
fere-a sem dó
com o lume do teu antigo olhar.

Alevanta-te, Povo!
Ah!, visses tu, nos olhos das mulheres,
a calada censura
que te reclama filhos mais robustos!

Povo anémico e triste,
meu Pedro Sem forças, sem haveres!
- olha a censura muda das mulheres!
Vai-te de novo ao Mar!
Reganha tuas barcas, tuas forças
e o direito de amar e fecundar
as que só por Amor te não desprezam!


terça-feira, 2 de março de 2010

A paz sem vencedor e sem vencidos

Uma homenagem à Organização das Nações Unidas,
a quantos ao seu serviço têm dado a vida para que outros a tenham,
para que haja Paz e não apenas a ausência de guerra.












Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos
Que o tempo que nos deste seja um novo
Recomeço de esperança e de justiça.
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Erguei o nosso ser à transparência
Para podermos ler melhor a vida
Para entendermos vosso mandamento
Para que venha a nós o vosso reino
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Fazei Senhor que a paz seja de todos
Dai-nos a paz que nasce da verdade
Dai-nos a paz que nasce da justiça
Dai-nos a paz chamada liberdade
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Sophia de Mello Breyner Andresen
in Dual (1972)

segunda-feira, 1 de março de 2010

O Canto do Cisne

Nunca o ouvi.
Que seja inextinguível.
Ou então silencioso
por pudor e tremendo
de raiva.
E que dure o bastante
para que nada fique por cantar.
in A Luz Fraterna

Saint-Saëns (1835-1921): Le Cygne
No Violoncelo: Mischa Maisky. Uma interpretação dentro do melhor que já ouvi!