sábado, 27 de fevereiro de 2010

Amo o teu túmido candor de astro

Pin, trouxe para aqui algumas das tuas flores!
Não para que fiques sem elas; só para que continuem a ter vida...

Amo o teu túmido candor de astro
a tua pura integridade delicada
a tua permanente adolescência de segredo
a tua fragilidade sempre altiva
Por ti eu sou a leve segurança
de um peito que pulsa e canta a sua chama
que se levanta e inclina ao teu hábito de pássaro
ou à chuva das tuas pétalas de prata
Se guardo algum tesouro não o prendo
porque quero oferecer-te a paz de um sonho aberto
que dure e flua nas tuas veias lentas
e seja um perfume ou um beijo um suspiro solar
Ofereço-te esta frágil flor esta pedra de chuva
para que sintas a verde frescura
de um pomar de brancas cortesias
porque é por ti que nasço
porque amo o ouro vivo do teu rosto.

António Ramos Rosa
in O Teu Rosto (1994)

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Bist du bei mir

Stölzel: Bist du bei mir
Klaus Mertens, barítono; Ton Koopman, órgão



Esta ária foi durante muito tempo atribuída a Bach, por estar incluída no livro que ofereceu a sua esposa, Ana Madalena, em 1725. Parece algo de mórbido, mas na obra de Bach a morte aparece frequentemente retratada como uma alegria, o tão esperado encontro com Deus.

Bist du bei mir, geh ich mit Freuden
Zum Sterben und zu meiner Ruh.
Ach, wie vergnügt wär so mein Ende,
Es drückten deine schönen Hände
Mir die getreuen Augen zu.

Em português:

Se estiveres comigo, partirei com prazer
para a minha morte e para meu descanso.
Ah, que final agradável para mim,
Se as tuas queridas mãos forem o último que eu veja,
fechando os meus fiéis olhos para descansar!

---=oo=---

Agora o soneto de Pablo Neruda que esta ária me recordou:

Quando eu morrer quero as tuas mãos nos meus olhos:
quero que a luz e o trigo das tuas mãos amadas
passem uma vez mais sobre mim e a sua frescura:
que sintam a suavidade que mudou o meu destino.

Quero que vivas enquanto eu, dormindo, te espero,
quero que os teus ouvidos continuem a ouvir o vento,
que sintas o perfume do mar que ambos amamos
e continues a pisar a areia que pisamos.

Quero que tudo o que amo continue vivo
e a ti amei-te e cantei-te sobre todas as coisas,
por isso, ó florida, continua a florir,

para que alcances tudo o que o meu amor te ordena,
para que a minha sombra passeie pelos teus cabelos,
para que assim conheçam a razão do meu canto.


Pablo Neruda (1904-1973)
in Cem Sonetos de Amor

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Arte 2010

Aqui fica uma sugestão aberta a todos quantos queiram desenvolver os seus dotes artísticos! Uma realização da escola de música onde ensino.
Fica a notícia e o desafio!

De Amor, de Terra, e de Água

Há mais de um ano comecei a ler os poemas de Maria Mamede no seu blogue
De Amor e de Terra.
Mais tarde, pelos meus anos, uma grande amiga fez-me a surpresa de me oferecer o seu livro Lume.
Outros dos seus livros, dos quais já falei anteriormente, vieram até mim e me encantaram.
Desta vez tive o gosto conhecer pessoalmente a autora, e de participar no lançamento do seu livro Da água toda. Embalado nos seus poemas, senti-me tocar cada um deles, como se a Flauta fosse um prolongamento da clareza, expressividade e doçura da sua voz. Não procurei acompanhá-los como uma música de fundo, mas sim que o som da Flauta fosse naquele momento uma parte deles.

Este lançamento foi também um encontro de amigos, dos blogues e fora deles. E dos amigos dos amigos. Obrigado a todos que marcaram presença, e aos que, não podendo estar, desejaram o melhor para esta apresentação e para o mini-recital (grande em prazer) que pude oferecer a Maria Mamede.
Deixo o poema de abertura deste livro, esperando que abra o apetite a que leiam todos os outros que dele fazem parte.

Da água toda

Da água te falei amor, da água
e de lágrimas salgadas pela mágoa
imensa aridez em cada vida;
e do sal te disse amor, do sal
que salga, que tempera, o bem, o mal
e a hora da chegada e da partida!...
de lagos, de pântanos, de medos
e de mares de água e de segredos
de rios, rios férteis de abundância
de mares unos de sonhos tão dispersos
de oceanos de limos, os meus versos
e de marés de amor, suma fragrância!...

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Susana

Com este aclamativo andamento do Oratório Susanna, de Handel, saúdo a minha amiga Susana que hoje festeja o seu 40º aniversário! Parabéns!


Les Arts Florissants, direcção de William Christie (2009)

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Cinzas de quarta-feira











(...)

Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...


(1894-1930)
Amar

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Da Água Toda


Maria Mamede, poetisa que desde há muito enriquece este blogue com as suas palavras em comentários e poemas, lançará o seu novo livro Da Água Toda no dia 20 de Fevereiro, sábado, pelas 21.30h, no Salão Nobre do Clube Fenianos Portuenses.

A apresentação estará a cargo do Prof. António M. Oliveira, e eu colaborarei com a interpretação de algumas obras musicais para Flauta solo e em alguns duetos de Flauta e Poesia.

Estão todos convidados!

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Apetece por vezes

Alfred Gockel: Fade Away

apetece por vezes com os dias morrer por um pequeno
instante e deixar os fogos soltos na areia. acrescentar
água à face e perturbar os sentidos em busca da única
luz ou então sentir os movimentos e escrever a uma

amiga. dizer assim como quem fala: que espécie rara
de deus é o teu? a vida é ficar abraçado às dunas
apenas se há dois braços de areia por quem sonhar.

vir então aos poucos contando os mastros do verão
cumprindo o desejo das cartas de mar e assim mesmo
confundir todos os relógios da rota apenas para ter

mais tempo para ficar. o resto é saber o alfabeto de
cor até ao fim para que as palavras vão nascendo
devagar até ser sonho no sono dos dias ou ser sono
dentro de mim

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Black Dog

Esta mensagem é uma introdução a outra que irei publicar dentro do capítulo "O que estou a ouvir".
Já imaginaram o que poderá resultar da colaboração em dueto da maior voz do rock, Robert Plant (Led Zeppelin), com a estrela da country, Alisson Krauss? Em 2007/2008 receberam 6 Grammys! Falarei posteriormente desse disco. Agora oiçamos o lendário tema Black Dog cantado pelo dueto em estilo bluegrass!


E agora a versão original, essa que me fez saltar da cadeira no filme/documentário The Song Remains the Same:

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Manual

Certamente a maior parte dos meus leitores já reparou, mas a outros terá passado despercebido: as mensagens que publico têm em geral mais informação do que aquela que se vê à primeira vista.
Vejamos: um poema. Ele está lá, mas há geralmente um link para obter informação sobre o autor. Pode estar ilustrado com uma imagem, e lá está certamente um link com informação sobre o autor. Se for ilustrado por um vídeo musical, há geralmente informação sobre os intérpretes.
Ah, e por vezes as imagens remetem para algumas surpresas!

Aqui fica este quase "manual de instruções" sobre as mensagens do blogue.

Uma curiosidade: há mais de um ano ilustrei um poema com uma imagem da artista plástica Alaya Gadeh (Alemanha). Ela veio a descobrir essa associação imagem/poema, e tanto a apreciou que resolveu colocar o poema junto da imagem original! Tal como eu coloquei links para o seu trabalho, também ela citou a fonte de inspiração para essa associação, e ao que parece tem recebido elogios!
Releiam a mensagem de 25/01/2009 A Curva dos Teus Olhos e sigam os links (na imagem e na autora).

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Vens?

Pergunto-me o que espero se sei que não vens.
Oiço o vento puxar conversa.
A minha indiferença vai castigar-me.
Apetece-me fechar os olhos... teimo!
Não combinámos hora,
não combinámos nada.
Pensei apenas que viesses…
como às vezes vens!
É bom quando temos algo combinado.
Sei que vens,
preparo-me.
Aproxima-se a hora e o entusiasmo aumenta,
por isso gosto de combinar!
Não apenas para saber se vens,
para viver intensamente o momento anterior à tua chegada!


in Pin, uma explicação de ternura

Prelúdio da Suite em Sol Maior, BWV 1007, de J. S. Bach,
uma das célebres páginas da história da música.
Tanya Tomkins - Violoncelo barroco

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Vens

Billie K.: Sweet Dreams (detalhe)


















12


vens
caindo
pela dor
acomodando

nuas palavras
à ferida de ter
perdido. a face é
pequena para sentir

o que em nós sobrevive
no instante em que a voz
desce as sombras desse dia

onde voltar já não se escreve
com medo das marés. podes agora
subir: é como estar (de novo) na luz



João Luís Barreto Guimarães
in Rua Trinta e Um de Fevereiro (1991)