sexta-feira, 15 de julho de 2011

Lágrima


John Dowland (1563-1626): Lachrimae Antiquae (Jordi Savall - Hespérion XX)


Dos olhos me cais,
redonda formosura.
Quase fruto ou lua,
cais desamparada.
Regressa à água
mais pura do dia,
obscuro alimento
de altas açucenas.
Breve arquitectura
de melancolia
Lágrima, apenas.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Bebido o luar
















Bebido o luar, ébrios de horizontes,
Julgamos que viver era abraçar
O rumor dos pinhais, o azul dos montes
E todos os jardins verdes do mar.

Mas solitários somos e passamos,
Não são nossos os frutos nem as flores,
O céu e o mar apagam-se exteriores
E tornam-se os fantasmas que sonhamos.

Porquê jardins que nós não colheremos

Límpidos nas auroras a nascer,
Porquê o céu e o mar se não seremos
Nunca os deuses capazes de os viver.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Este é o maio




Este é o maio, o maio é este,
Este é o maio e floresce.
Este é o maio das rosas,
Este é o maio das formosas,
Este é o maio e floresce.
Este é o maio das flores.
Este é o maio dos amores,
Este é o maio e floresce...

Gil Vicente
(1460?-1536?)

domingo, 15 de maio de 2011

Nos teus olhos




OS TEUS OLHOS

Nadam peixes nos teus olhos
lagos de águas aflitas
nadam peixes de desditas
onde há limos que são escolhos...

e são limos os escolhos
onde há peixes de desditas
nadam peixes nos teus olhos
lagos de águas aflitas...

entre limos nadam peixes
em teus olhos que são lagos
com águas turvas d'escolhos

não te perturbes, não deixes
que me afogue nesses lagos
com peixes, que são teus olhos!..

Maria Mamede
in Da Água Toda

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Os problemas materiais não afectam a composição da obra



Há uma passagem do 1º concerto de brandeburgo
de joão sebastião bach em que o ritmo se torna
melancólico, como se o compositor quisesse
fazer uma pausa naquilo que, aparentemente,
descrevia a alegria e a festa de uma corte. Mas
nesse adagio, é como se bach obrigasse
quem o ouvia a fazer uma paragem; e, de
súbito, uma desolação entra na música, sem
destruir a sua perfeição, tal como o outono
também pode trazer uma outra beleza aos
campos, quando o céu se cobre de nuvens
e as folhas adquirem uma tonalidade ruiva,
anunciando o inverno. Porém, esta mudança
não dura muito tempo; e logo a paisagem
retoma a sua vida, através do allegro em
que ressoa um esplendor de grandes salas
iluminadas. A música limita-se a reflectir
os sentimentos do homem; e se o compositor
se demora na tristeza, é porque ela é necessária
para vencer o desânimo da alma. Mas nem todos
o compreendem; e o certo é que o príncipe
de brandeburgo não lhe pagou a encomenda.

in Guia de Conceitos Básicos

sábado, 16 de abril de 2011

Minha alma é uma orquestra




Minha alma é uma orquestra oculta;
não sei que instrumentos tange e range,
cordas e harpas, tímbales e tambores, dentro de mim.
Só me conheço como sinfonia.

Fernando Pessoa
Livro do Desassossego

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Novo ano, de novo...















Recomeça…
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.


E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
E vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.

in Diário XII

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Utilidade



















Só as mãos que se estendem para a frente interessam.

Só os olhos que vêem para além do que se vê,
só o que vai para o que vem depois,
só o sacrifício por uma realidade que ainda não existe,
só o amor por qualquer coisa que ainda não se vê e ainda,
nem nunca, será nossa
interessa.
Lisboa, 1916-1995

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

João Lourenço Rebelo

Do blogue A Outra Margem destaco uma notícia:

Em 2010, passam quatrocentos anos do nascimento de João Lourenço Rebelo, um dos mais importantes compositores portugueses seiscentistas. Amigo e protegido do rei D. João IV, que lhe fez publicar grande parte da obra por um editor de Roma, deixou um corpus de música sacra que prenuncia já o barroco e que impressiona pelas suas características únicas, que o distinguem dos outros polifonistas portugueses e do resto da Europa. Uma música de tocante beleza mas desconhecida da maioria das pessoas, até mesmo do meio musical. Nesta efeméride, quase não se tem ouvido a obra de Rebelo e uma das excepções é o concerto marcado para 5 de Dezembro, às 16h, na Igreja Matriz de Oeiras, pelos agrupamentos Capela Joanina e Flores de Música. O seu director artístico, João Paulo Janeiro, que tomou Rebelo como objecto da sua tese de doutoramento, inicia-nos na obra do compositor, sobre quem registamos também o depoimento de Paul van Nevel, director artístico do Huelgas Ensemble, que gravou o único CD monográfico de Rebelo.
Para ouivr em A Outra Margem, esta 4ª feira, às 18h05, em 90.4 fm ou em http://www.radioeuropa.fm/, e a partir de 5ª feira em podcast.

(agradeço à Manuela Paraíso a divulgação desta efeméride e do concerto referido)