terça-feira, 28 de abril de 2009

Estrela da Tarde







Era a tarde mais longa de todas as tardes
Que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas
Tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca,
Tardando-lhe o beijo, mordia
Quando à boca da noite surgiste
Na tarde tal rosa tardia

Quando nós nos olhámos tardámos no beijo
Que a boca pedia
E na tarde ficámos unidos ardendo na luz
Que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto
Tardaste o sol amanhecia
Era tarde demais para haver outra noite,
Para haver outro dia.

Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde.
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza.
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza.

Foi a noite mais bela de todas as noites
Que me aconteceram
Dos nocturnos silêncios que à noite
De aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois
Corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram.

Foram noites e noites que numa só noite
Nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites
Que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles
Que à noite amando se deram
E entre os braços da noite de tanto
Se amarem, vivendo morreram.

Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde.
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza.
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza.

Eu não sei, meu amor, se o que digo
É ternura, se é riso, se é pranto
É por ti que adormeço e acordo
E acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste
Dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida
De mágoa e de espanto.

Meu amor, nunca é tarde nem cedo
Para quem se quer tanto!

Volto a Ary dos Santos com este poema,
que tantas vezes ouvimos e tão poucas escutámos!
AQUI na voz de Carlos do Carmo (ou HQ, se tiver banda larga)
AQUI, no primeiro registo, onde podemos ouvir também Ary dos Santos (RTP)

sábado, 25 de abril de 2009

As mãos








Com mãos se faz a paz se faz a guerra.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema – e são de terra
Com mãos se faz a guerra – e são a paz.

Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não são de pedras estas casas mas
de mãos. E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.

E cravam-se no tempo como farpas
as mãos que vês nas coisas transformadas
Folhas que vão no vento: verdes harpas

De mãos é cada flor cada cidade
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.


O Canto e as Armas, 1967

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Dia Mundial do Livro

Poderia aqui repetir a mensagem do dia 14 de Abril (O Livro).
Estaria bem a propósito hoje, Dia Mundial do Livro.
Mas aqui deixo o site da UNESCO, onde estão divulgadas iniciativas a nível mundial.
Abracem um livro de olhos e de alma.
Ele entrará no coração!

terça-feira, 21 de abril de 2009

Na Antena 2

O CD Jardins de Luz, onde toco com Carlos Gutkin, passou hoje na Antena 2, no programa Disco em Destaque.
A propósito disso, aproveito para divulgar que o CD se encontra à venda na Companhia Nacional de Música, no Chiado, ou online.
(Falei deste CD na mensagem de 1/12/2008)

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Amor, que o gesto humano n'alma escreve

Amor, que o gesto humano n'alma escreve,
vivas faíscas me mostrou um dia,
donde um puro cristal se derretia
por entre vivas rosas e alva neve.

A vista, que em si mesma não se atreve,
por se certificar do que ali via,
foi convertida em fonte, que fazia
a dor ao sofrimento doce e leve.

Jura Amor que brandura de vontade
causa o primeiro efeito; o pensamento
endoudece, se cuida que é verdade.

Olhai como Amor gera num momento,
de lágrimas de honesta piedade,
lágrimas de imortal contentamento.

Luís de Camões
(c. 1524-1580)

Poema que aqui partilho depois de reler mais de uma dezena de sonetos.
Continuo a maravilhar-me com o que de tão belo há 500 anos foi escrito!

terça-feira, 14 de abril de 2009

Handel

Londres, 14 de Abril de 1759
Há 250 falecia um dos grandes génios do Barroco:
Destaco e recomendo o artigo do jornal PÚBLICO.
Inclui links para audição de algumas das suas obras.
Aqui voltaremos a falar da sua obra.

O Livro

«Dos diversos instrumentos do homem, o mais assombroso é, indubitavelmente, o livro. Os outros são extensões do seu corpo. O microscópio e o telescópio são extensões da vista; o telefone é o prolongamento da voz; seguem-se o arado e a espada, extensões do seu braço. Mas o livro é outra coisa: o livro é uma extensão da memória e da imaginação. Em «César e Cleópatra» de Shaw, quando se fala da biblioteca de Alexandria, diz-se que ela é a memória da humanidade. O livro é isso e também algo mais: a imaginação. Pois o que é o nosso passado senão uma série de sonhos? Que diferença pode haver entre recordar sonhos e recordar o passado? Tal é a função que o livro realiza.

(...) Se lemos um livro antigo, é como se lêssemos todo o tempo que transcorreu até nós desde o dia em que ele foi escrito. Por isso convém manter o culto do livro. O livro pode estar cheio de coisas erradas, podemos não estar de acordo com as opiniões do autor, mas mesmo assim conserva alguma coisa de sagrado, algo de divino, não para ser objecto de respeito supersticioso, mas para que o abordemos com o desejo de encontrar felicidade, de encontrar sabedoria.»
Jorge Luís Borges (1899-1986)
in "Ensaio: O Livro"

domingo, 12 de abril de 2009

Santa Páscoa!

Venham, apressem-se e corram, ó ligeiros pés,
Alcancem a gruta que cobria Jesus!
Risos e brincadeiras acompanhem os corações,
Pois aquele que nos salva ressuscitou.

Tradução do texto do Coro "Kommt, eilet und laufet"
da Oratória de Páscoa (BWV 249) de J. S. Bach

Desejo a todos uma Santa Páscoa, sugerindo 5 min. de áudio-visualização, desta magistral interpretação da obra atrás referida, aqui dirigida pelo grande Philippe Herreweghe:



É possível visualizar em Alta Qualidade (HQ) AQUI

quinta-feira, 9 de abril de 2009

O que estou a ouvir

The Blue Note 7
Mosaic: A Celebration of Blue Note Records
Blue Note 28123 - January 13, 2009

Blue Note Records, a grande editora do Jazz, fez 70 anos a 13 de Janeiro. Dela se falará mais adiante através da trancrição de um excelente artigo do jornal Público.
Para comemorar o 70º aniversário, esta grande etiqueta convidou algumas das suas estrelas para formar um septeto (The Blue Note 7) e revisitar oito grandes obras do Jazz. Os convidados: Piano, Bill Charlap; Trompete, Nicholas Payton; Sax tenor, Ravi Coltrane; Sax alto/Flauta, Steve Wilson; Guitarra, Peter Bernstein; Contrabaixo, Peter Washington e na Bateria, Lewis Nash. De notar que os temas escolhidos sofreram um arranjo dos membros do septeto, com excepção para Search for Peace (McCoy Tyner) e Dolphin Dance (Herbie Hancock) As outras faixas: Mosaic (Cedar Walton, arr. Nash), Inner Urge (Joe Henderson, arr. Payton) Little B's Poem (Bobby Hutcherson, arr. Wilson), Criss Cross (Thelonious Monk, arr. Wilson), Idle Moments (Duke Pearson, arr. Bernstein), The Outlaw (Horace Silver, arr. Charlap).
A minha opinião: Temas com excelente execução, bons arranjos, mas sem grandes ousadias, denotando alguma fidelidade estilística e formal aos originais. É, contudo, um belo disco para nos fazer companhia ao serão e recordar tanto de bom que a Blue Note tem dado ao mundo do Jazz ao longo de 70 anos de existência.

Sobre esta efeméride, diz assim o Público:
Blue Note Records: a dar corda ao jazz desde 1939
07.04.2009 - 13h12 Susana Almeida Ribeiro

Não foi a primeira editora exclusivamente dedicada ao jazz. Essa foi a Swing, criada em França em 1937. Mas a Blue Note Records é hoje a mais antiga ainda em actividade. Os seus fundadores, Alfred Lion – que fugiu da Alemanha nazi para Nova Iorque – e o escritor Max Margulis, estavam longe de imaginar que 70 anos volvidos, o selo de qualidade musical que edificaram continuaria a fazer as delícias dos amantes de jazz.
O “slogan” da empresa não engana: "The Finest in Jazz Since 1939". Os mais populares intérpretes foram gravando, ao longo das décadas, sob o selo da companhia: os saxofonistas Sonny Rollins, Dexter Gordon, Lee Morgan, Eric Dolphy e Ornette Coleman; os pianistas Thelonious Monk, Bud Powell, Horace Silver e Herbie Hancock; os trompetistas Fats Navarro, Miles Davis, Donald Byrd, Kenny Dorham e Freddie Hubbard; os guitarristas Kenny Burrell e Grant Green; o contrabaixista Ron Carter... A lista de talentos é quase infinita. O clarinetista Sidney Bechet e o pianista Earl Hines figuraram entre as primeiras assinaturas da marca, que acabou por se afirmar no mercado, depois de já se ter juntado a Lion e a Margulis o fotógrafo alemão Francis Wolff, outro judeu em fuga da Europa nazi.
A partir do momento em que o selo musical se começou a afirmar, as evoluções do jazz – que se foi misturando, experimentalmente, com o bebop, o hard bop, o soul, o rhythm and blues – fazem-se usando a Blue Note Records como montra. Os músicos vão passando a palavra, os donos de clubes dão rédea solta ao experimentalismo e a editora aproveita para se expandir.
Na década de 1950 juntam-se ao grupo original de fundadores mais duas peças chave na engrenagem da editora: o engenheiro de som Rudy Van Gelder e o “designer” gráfico Reid Miles.
Durante a década de 1970, já depois da retirada de Lion (em 1967) e da morte de Wolff (1971), a editora foi-se adaptando às novas sonoridades soul e pop, entrando numa era mais sombria e limitando-se a uma política de reedição, até que, em 1985, a Blue Note Records foi relançada, já sob a alçada da multinacional EMI e sob direcção de Bruce Lundvall. A cantora Norah Jones e, mais recentemente, Al Green, fazem parte dos nomes adicionados à parede da fama da editora.
Para celebrar os 70 anos da editora, uma banda contemporânea de respeitados músicos de jazz - agregada sob o nome colectivo de Blue Note 7, composto, entre outros, por Bill Charlap, Ravi Coltrane, Steve Wilson e Nicholas Payton – está a organizar um “tour”. Os músicos querem levar algumas das lendas musicais da editora a todos os cantos dos Estados Unidos.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Agostinho da Silva

Agostinho da Silva, um dos maiores pensadores portugueses do século XX, faleceu há 15 anos.
Gostava de o ouvir, de reflectir com ele, e reflectir no que ele me levava a pensar. Concordasse ou não, admirava-o. Eu e o mundo. Quem não admira um homem assim?
Algumas das suas palavras:

Do que você precisa, acima de tudo, é de se não lembrar do que eu lhe disse; nunca pense por mim, pense sempre por você; fique certo de que mais valem todos os erros se forem cometidos segundo o que pensou e decidiu do que todos os acertos, se eles foram meus, não são seus. Se o criador o tivesse querido juntar muito a mim não teríamos talvez dois corpos distintos ou duas cabeças também distintas. Os meus conselhos devem servir para que você se lhes oponha. É possível que depois da oposição, venha a pensar o mesmo que eu; mas, nessa altura, já o pensamento lhe pertence. São meus discípulos, se alguns tenho, os que estão contra mim; porque esses guardaram no fundo da alma a força que verdadeiramente me anima e que mais desejaria transmitir-lhes: a de se não conformarem

Agostinho da Silva, "Cartas a um jovem filósofo"

E visualizar algumas entrevistas no YouTube

quarta-feira, 1 de abril de 2009

O que estou a ouvir

Pelham Humfrey (1647–1674)
Verse Anthems
Romanesca
Nicholas McGegan, dir.
Harmonia Mundi HMX2907053


Tendo começado como menino de coro na Capela Real, Pelham Humfrey tornou-se rapidamente no principal compositor da música religiosa de Londres. Com a idade de 17 anos foi enviado para França e Itália para desenvolver os estudos musicais.
A sua morte percoce aos 27 anos, uma das maiores tragédias da história da música inglesa, não impediu que ele se tornasse uma forte influência entre os seus pares, incluindo os grandes compositores William Turner, Henry Purcell e John Blow.
Os seus hinos (antífonas, versão anglicana dos motetes), constituem a parte mais substancial do seu legado.
Vele a pena conhecer tudo o que de tão belo nos deixou na sua breve passagem por este mundo.
É uma das minhas escolhas para este tempo quaresmal.
(É possível ouvir um pouco AQUI)