segunda-feira, 23 de março de 2009

O Coração da Primavera












A PRIMAVERA entrou no meu corpo
com suas folhas e flores.
Durante toda a manhã
as abelhas estão zumbindo em mim,
e os ventos ociosos
não se cansam de jogar
com as minhas sombras.

Uma doce fonte
corre do coração do meu coração;
a alegria lava os meus olhos
com o orvalho da manhã;
e a vida vibra em todo o meu ser,
como a corda de um alaúde.

Amor dos meus dias sem fim,
solitário vagabundo das costas da vida,
por onde se espraia o mar alto!
Não dançam à tua volta
as borboletas de mil cores
dos meus sonhos?
Não é este eco das minhas escuras cavernas
o eco das tuas canções?

Quem melhor do que Tu
poderá ouvir este cacho das horas
que hoje palpita nas minhas veias;
estes pés alegres
que bailam no meu coração,
este clamor de vida
que bate as asas inquietas
no meu corpo?

(1861-1941)

quinta-feira, 19 de março de 2009

Ser pai, como arco para as flechas

Escultura:
Susan Lordi










- Os vossos filhos não são vossos filhos:
são filhos e filhas
do chamamento da própria Vida.


Vêm por vosso meio
mas não de vós;
e apesar de estarem convosco,
não vos pertencem.

Podeis dar-lhes o vosso amor;
mas não os vossos pensamentos:
porque eles tem pensamentos próprios.

Podeis acolher os seus corpos;
mas não as suas almas:
porque as suas almas
habitam a casa de amanhã
que não podeis visitar,
nem sequer em sonhos.

Podeis esforçar-vos por ser como eles;
mas não tenteis fazê-los como vós.
Porque a vida não vai para trás,
nem se detem com o ontem.

Sois os arcos, e os vossos filhos
as setas vivas projectadas.
O Arqueiro vê o alvo no caminho do infinito,
e reteza-vos com o seu poder
para que as setas
possam voar depressa para longe.

Que a vossa tensão na mão do Arqueiro
seja de alegria.

Porque assim como Ele gosta
da seta que voa,
também gosta do arco que fica.


In "O Profeta"
(1883-1931)

quarta-feira, 18 de março de 2009

Se

Pintura: Stephen Guyatt - If
Se és capaz de manter o sangue-frio
enquanto outros à tua volta o estão perdendo
e deitando-se as culpas;

Se és capaz de fiar-te em ti próprio
quando todos duvidam de ti
- e no entanto perdoares que duvidem;

Se és capaz de esperar sem cansar a esperança,
e de não caluniar os que te caluniam,
e de não pagar ódio por ódio
- tudo isto sem dar-te ares de modelo dos bons;

Se és capaz de sonhar
sem que o sonho te domine,
e de pensar, sem reduzir o pensamento a vício;

Se és capaz de afrontar o Triunfo e o Desastre
sem fazer distinção entre estes dois impostores;

Se és capaz de sofrer que o ideal que sonhaste
o transformem canalhas em ratoeiras de tolos;
ou de ver destruído o ideal da vida inteira
e construí-lo outra vez com ferramentas gastas;

Se és capaz de fazer do que tens um montinho
e de tudo arriscar numa carta ou num dado,
e perder, e começar de novo o teu caminho,
sem que te oiça um suspiro quem seguir a teu lado;

Se és capaz de apelar para músculo e nervo
e fazê-los servir, se já quase não servem,
aguentando-te assim quando nada em ti resta,
a não ser a Vontade, que te diz: aguenta!

Se és capaz de aproximar-te do povo e ficar digno,
ou de passear com reis conservando-te humilde;

Se não pode abalar-te o amigo ou inimigo;
se todos contam contigo e não erram as contas;
se és capaz de preencher o minuto que foge
com sessenta segundos de tarefa acertada;

Se assim fores, meu filho, a Terra será tua,
será teu tudo o que nela existe,
e não receies que to tomem...

Mas (ainda melhor que tudo isto)
se assim fores, serás um homem!
(1865-1936)
(Tradução de Agostinho de Campos)

sábado, 14 de março de 2009

Todos somos responsáveis

Dei uma volta lá fora. Curta volta, mas uma volta. É interessante o exercício de ver os outros e colocarmo-nos no lugar deles. Porque é que aquele bebeu demasiado? Porque acelera o outro, roncando, querendo chamar a atenção de todos? Está ali um casal de costas voltadas, que terá quebrado o seu diálogo? Um grupo de adolescentes circula como quem está pronto para pontapear mais uma paragem de autocarro; que revolta vai no seu coração para assim se quererem vingar? Bom, já chega!
E regressei, voltei para dentro, para dentro de mim. Veio à minha memória a forte e gritante frase de João XXIII: "Somos responsáveis por todos os homens".
Tudo o que se passa no mundo, tudo o que afecta a vida de um homem ou de uma mulher, nos diz respeito.
Podemos nós ficar calados diante das escolhas erradas que o mundo faz?
Já não há em nós uma consciência crítica sobre o que nos rodeia?
O nosso silêncio não nos tornará cúmplices daqueles que destroem o mundo e que condenam ao sofrimento e à miséria tantos homens e mulheres?
Poderemos acomodar-nos no nosso cantinho, demitindo-nos das nossas responsabilidades?
Às vezes não apetece mesmo ir lá fora... mas ainda que fosse para o deserto, continuaria co-responsável pela humanidade a que pertenço: maior seria a irresponsabilidade, fugir à responsabilidade!
"Cada um é responsável por todos. Cada um é o único responsável. Cada um é o único responsável por todos." (Antoine de Saint-Exupéry)

terça-feira, 10 de março de 2009

Do outro lado de mim

Roseanne Backstedt: Intense Departure














Não é a vida que se não viveu o que desgosta;
Não são as horas perdidas à espera doutras o que faz falta;
Nem os sonhos que a realidade não compensou
O que pesa na balança da existência.
Quando o mar é manso e igual
Nem se sente o alvoroço da chegada.
O porto está além mas nada significa além do desembarque.
A chegada é coisa vazia com sabor a frustrada despedida.
O que interessa na vida é a bagagem dela nos nossos sonhos
de futuro.
]
Será o que para além a aventura queimará, alimentada
Por pedaços de nós que o vento arranca.


O que interessa não é a paz de ter chegado.
O que é grande e belo, é isto de chegar
E ter logo e sempre a coragem de partir.


Marcos Leal
(1928-2004)
(pseudónimo de Rodrigo Leal Rodrigues)

domingo, 8 de março de 2009

Dia Internacional da Mulher

"Todos nós – homens e mulheres, militares e soldados, cidadãos e dirigentes – temos a responsabilidade de contribuir para pôr fim à violência contra mulheres. Os estados têm de honrar os seus compromissos para prevenir a violência, trazer culpados à justiça e fornecer apoio às vítimas. E cada um de nós deve falar em nossas famílias, locais de trabalho e comunidades, para que cessem os actos de violência contra as mulheres."
Secretário Geral da ONU, Ban Ki-moon

A ONU dedica a este dia um site especial:
http://www.un.org/events/women/iwd/2009/

quarta-feira, 4 de março de 2009

Haydn

Franz Joseph Haydn (1732-1809), um dos mais importantes compositores do período clássico, juntamente com Mozart e Beethoven. Assinala-se este ano a efeméride dos 200 anos da sua morte.
Foi justamente a música deste compositor que me despertou o gosto pela música clássica, ainda na minha pré-adolescência. Estavam lá por casa alguns discos do meu pai que eu, de vez em quando, espreitava com curiosidade. Um deles passou várias vezes pela minha mão, a capa fascinava-me! Mas um dia atrevi-me a ouvi-lo. Ah, o fascínio agora era outro! Tratava-se das Sinfonias Nº 6 "Le Matin", Nº 7 "Le Midi" e Nº 8 "Le Soir". De aparente simplicidade e de fácil audição, primam pela elegância e pelo bom gosto do estilo de composição do jovem Haydn.
Foi precisamente esta facilidade de audição que me fez pegar na Flauta de Bisel e tentar reproduzir o que ouvia, as belas linhas melódicas apresentadas nestas sinfonias que são quase concertone (sinfonias concertantes, em estilo de concerto para instrumento e orquestra).
E assim, auditivamente, aprendi o carácter de um Minueto, o que era Adagio, Allegro, etc.
Cada audição era uma autêntica lição de música!
Aqui deixo as ligações ao YouTube da Sinfonia Nº 6 "Le Matin", muito bem interpretadas pela Freiburger Barockorchester com instrumentos da época: