quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Cinzas

Muitas vezes os nossos corações estão duros e fechados. Somos insensíveis aos outros. Estamos cinzentos e sujos como as cinzas.
Muitas vezes o nosso olhar julga os outros, desaprova-os, lança-lhes olhares cinzentos e sujos como as cinzas.
Muitas vezes não nos apetece avançar. Ficamos no mesmo sítio. Somos vencidos pela preguiça. Ficamos atolados nas cinzas cinzentas e sujas.*


Acordai, uma voz nos chama!
(Wachet auf, ruft uns die Stimme)
J. S. Bach, BWV 645 (No Órgão, Ton Koopman)



*Uma reflexão sobre a Quarta-feira de Cinzas, baseada num texto de rAP, que inspirou a colocação aqui desta obra musical.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

A Máscara














Louise-Andrée Roberge: Mascarade

Eu sei que há muito pranto na existência,
Dores que ferem corações de pedra,
E onde a vida borbulha e o sangue medra,
Aí existe a mágoa em sua essência.

No delírio, porém, da febre ardente
Da ventura fugaz e transitória
O peito rompe a capa tormentória
Para sorrindo palpitar contente.

Assim a turba inconsciente passa,
Muitos que esgotam do prazer a taça
Sentem no peito a dor indefinida.

E entre a mágoa que a másc’ra eterna apouca
A Humanidade ri-se e ri-se louca
No carnaval intérmino da vida.
(1884-1914)

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Orquestra Sinfónica RDC

Fiquei particularmente sensibilizado pela força e humildade dos músicos que aqui podemos ver e ouvir.
Uma lição para quem acha que a música erudita é coisa de elites culturais!
Eis o exemplo da Orquestra Sinfónica da República Democrática do Congo (Kinshasa):


(HQ para ver em alta resolução)

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Árvores do Alentejo












Horas mortas… Curvada aos pés do Monte
A planície é um brasido… e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a bênção duma fonte!

E quando, manhã alta, o sol posponte
A ouro a giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis no horizonte!

Árvores! Corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!

Árvores! Não choreis! Olhai e vede:
- Também ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota d'água!
(1894-1930)

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Hear my prayer, O Lord

Uma pequena peça, apenas dois minutos, e tanta emoção!...
Esta obra de Henry Purcell (1659-1695), compositor de quem este ano se comemora os 350 anos do seu nascimento, foi escrita para coro a oito vozes (oito linhas vocais). É uma obra prima da música coral, um condensado do belo, do arrojado, do simples, do complexo. Está escrita de tal forma que apetece inspirar apenas no seu início e suster a respiração até expirar na cadência final.
Tenho umas quatro versões em CD, mas encontrei esta maravilhosa execução no YouTube, pelo Choir of Clare College Cambridge. Vozes brancas (sem vibrato), numa interpretação primorosa:


Vale a pena escutar outras interpretações deste coro:
Te Deum in D major, Z.232 (Part 1); (Part 2) - possível "assistir em alta qualidade".
Ouvir ainda:
Music for the Funeral of Queen Mary (Funeral Sentences) March, Z.860 - possível "assistir em alta qualidade".

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Esta manhã

"Esta manhã, antes do alvorecer, subi a uma colina para admirar o céu povoado,
E disse à minha alma: Quando abarcarmos esses mundos e o conhecimento e o prazer que encerram, estaremos finalmente fartos e satisfeitos?
E minha alma disse: Não, uma vez alcançados esses mundos prosseguiremos no caminho."
(1819 - 1892)

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

O Santo Rebelde

Nos tempos da minha juventude tomei contacto com alguns textos de Dom Hélder Câmara. Fiquei intrigado com o homem que assim falava. Foi preciso muito reflectir para entender as suas afirmações como "Só as grandes humilhações nos levam ao recesso último de nós mesmos, lá onde as fontes interiores nos banham de luz, de alegria e de paz.".
No dia 7 de Fevereiro passaram 100 anos desde o seu nascimento. Em Agosto terão passado 10 anos do seu falecimento.

Impressionei-me agora a ouvi-lo falar na "Missa dos Quilombos" (YouTube). Melhor compreendo o seu desabafo: "Se eu dou comida a um pobre, me chamam de santo, mas se eu pergunto por que ele é pobre, me chamam de comunista."

As minhas felicitações ao blogue
Religionline por ser agora blogue convidado do jornal Público, e pelo serviço que presta a quem se interessa pelas religiões.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

O caminho

"Na obsessão de chegar, muitas vezes esquecemos o mais importante: é preciso caminhar."

"Quando se viaja em direcção a um objectivo é muito importante prestar atenção ao caminho. O caminho é que nos ensina sempre a melhor maneira de chegar, e enriquece-nos, enquanto o cruzamos."
in O Diário de um mago, Paulo Coelho

Estas duas frases que encontrei num livro de Paulo Coelho, ajudam a ilustrar o sentido que procurei dar ao poema da mensagem anterior: Há que manter a linha do horizonte, sabemos que ele existe mesmo sem estar a vê-lo, mas não devemos esquecer-nos de olhar à nossa volta durante o percurso. Não devemos deixar de desfrutar da beleza desse mesmo percurso. Se o fizermos, melhor caminharemos, melhor evitaremos caminhos sinuosos que nos desviem do objectivo final.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Para além da curva da estrada












Foto - Sílvia Moscoso: Guadramil - Rio de Onor

Para além da curva da estrada
Talvez haja um poço, e talvez um castelo,

E talvez apenas a continuação da estrada.
Não sei nem pergunto.
Enquanto vou na estrada antes da curva
Só olho para a estrada antes da curva,
Porque não posso ver senão a estrada antes da curva.
De nada me serviria estar olhando para outro lado
E para aquilo que não vejo.
Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos.
Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer.
Se há alguém para além da curva da estrada,
Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada.]
Essa é que é a estrada para eles.
Se nós tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos.
Por ora só sabemos que lá não estamos.
Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva
Há a estrada sem curva nenhuma.

Alberto Caeiro (Fernando Pessoa)
in "Poemas Inconjuntos"

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Presente










Rabi Khan: Eye

Queria neste poema a cor dos teus olhos
e queria em cada verso o som da tua voz:
depois, queria que o poema tivesse a forma
do teu corpo, e que ao contar cada sílaba
os meus dedos encontrassem os teus,
fazendo a soma que acaba no amor.


Queria juntar as palavras como os corpos
se juntam, e obedecer à única sintaxe
que dá um sentido à vida; depois,
repetiria todas as palavras que juntei
até perderem o sentido, nesse confuso
murmúrio em que termina o amor.


E queria que a cor dos teus olhos e o som
da tua voz saíssem dos meus versos,
dando-me a forma do teu corpo; depois,
dir-te-ia que já não é preciso contar
as sílabas, nem repetir as palavras do poema,
para saber o significado do amor.


Então dar-te-ia o poema de onde saíste,
como a caixa vazia da memória, e levar-te-ia
pela mão, contando os passos do amor.

Nuno Júdice (n. 1949)
in "O Estado dos Campos"

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

O que estou a ouvir

Fico espantado como inexplicavelmente desconheço certos compositores! Eu e tantos músicos que deviam estar a tocá-los!
Poder-se-ia dizer que são alguns daqueles tão escondidos e com obra reduzida, que nos passam ao lado. Mas não! Este de que aqui falo foi famosíssimo na sua época! O Musicalisches Lexicon (1732) de Johann Gottffried Walther, dedica-lhe uma entrada com duas colunas, enquanto J. S. Bach ocupava apenas dois terços de uma coluna.
Falo de Johann David Heinichen (1683-1729), compositor do barroco alemão, teórico musical e advogado. Mattheson, em 1739, formulou a frase "três importantes H's da música alemã" para se referir a Handel, Heinichen and Hasse. Sublinho ainda que em 1717, Heinichen trabalhou na corte do Príncipe Leopoldo de Anhalt-Cöthen, onde foi colega de Bach. Depois, foi Mestre de Capela (o equivalente maestro e director musical) em Dresden.
As primeiras gravações da sua música datam de anos recentes e foram trazidas até nós por Reinhard Goebel com o seu ensemble Musica Antiqua Köln. Destaco os Dresden Concerti, dos quais é possível ouvir aqui o Concerto em Sol Maior, S213 (1. Allegro; 2. Allegro; 3. Entrée; 4. Louré. Cantabile). Vamos então continuar a ouvir.