sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Novo ano, de novo...















Recomeça…
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.


E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
E vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.

in Diário XII

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Utilidade



















Só as mãos que se estendem para a frente interessam.

Só os olhos que vêem para além do que se vê,
só o que vai para o que vem depois,
só o sacrifício por uma realidade que ainda não existe,
só o amor por qualquer coisa que ainda não se vê e ainda,
nem nunca, será nossa
interessa.
Lisboa, 1916-1995

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

João Lourenço Rebelo

Do blogue A Outra Margem destaco uma notícia:

Em 2010, passam quatrocentos anos do nascimento de João Lourenço Rebelo, um dos mais importantes compositores portugueses seiscentistas. Amigo e protegido do rei D. João IV, que lhe fez publicar grande parte da obra por um editor de Roma, deixou um corpus de música sacra que prenuncia já o barroco e que impressiona pelas suas características únicas, que o distinguem dos outros polifonistas portugueses e do resto da Europa. Uma música de tocante beleza mas desconhecida da maioria das pessoas, até mesmo do meio musical. Nesta efeméride, quase não se tem ouvido a obra de Rebelo e uma das excepções é o concerto marcado para 5 de Dezembro, às 16h, na Igreja Matriz de Oeiras, pelos agrupamentos Capela Joanina e Flores de Música. O seu director artístico, João Paulo Janeiro, que tomou Rebelo como objecto da sua tese de doutoramento, inicia-nos na obra do compositor, sobre quem registamos também o depoimento de Paul van Nevel, director artístico do Huelgas Ensemble, que gravou o único CD monográfico de Rebelo.
Para ouivr em A Outra Margem, esta 4ª feira, às 18h05, em 90.4 fm ou em http://www.radioeuropa.fm/, e a partir de 5ª feira em podcast.

(agradeço à Manuela Paraíso a divulgação desta efeméride e do concerto referido)

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

À beira de água

















Estive sempre sentado nesta pedra
escutando, por assim dizer, o silêncio.
Ou no lago cair um fiozinho de água.
O lago é o tanque daquela idade
em que não tinha o coração
magoado. (Porque o amor, perdoa dizê-lo,
dói tanto! Todo o amor. Até o nosso,
tão feito de privação.) Estou onde
sempre estive: à beira de ser água.
Envelhecendo no rumor da bica
por onde corre apenas o silêncio.
in Os Sulcos da Sede

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Escapade

Ian Davie: Intimate moments


















Esta manhã viu-se tão bela no

seu próprio espelho que veio
urgente descerrar-me a janela
e a todos os pássaros do mundo.
(1921-1999)

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Corpo de esperança















Trago-te na minha vida como quem
escuta os passos musicais do tempo,
como as manhãs tocam a paisagem...

e amplamente te recebo dos horizontes da dor
que é a nossa distância de seres quase tudo.

Trago-te na minha vida como é possível
a noite trazer o luar.


(1927-1975)

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Sigo o voo dos pássaros

Octavio Ocampo: Family of Birds





















Sigo
o voo dos pássaros
e parto com eles.
Abrindo asas à vida
deixo sempre uma pena
no lugar
que abandono
para marcar o regresso.
Nos olhos
levo luas
e mensagens de sol;
no sorriso
aragens de nordeste
e aroma de flores;
nos braços
porém
o branco do adeus
rubro de saudade
e a vontade
indómita
do beijo
que a boca não teve.


Recebi de Maria Mamede, poetisa e amiga tantas vezes presente neste espaço, o poema que hoje aqui partilho. Veio até mim porque, assim ela me conta, tem algo a ver com o pensamento do meu amigo Óscar Possacos, essa frase, quase um lema, para tantas ocasiões da minha vida: "Volta sempre com um pássaro no rosto e deixa sempre uma pena como quem não quer ir embora".  Este pensamento já outrora lhe havia inspirado um poema que pode ser lido na mensagem "Volta sempre!".
Muito agradeço a Maria Mamede o carinho, a atenção, a amizade, e todos os poemas que me tem dado a conhecer. É um enorme gosto apresentar aqui alguns deles em primeira mão.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

O meu Big Bang


Vi o filme Barry Lyndon, de Stanley Kubrick, ainda muito jovem.
O tema musical "Sarabande" de Handel não me saiu mais da cabeça:
Cheguei a casa e toquei o tema de cor, estava muito bem gravado na memória.
O mesmo já me tinha acontecido com os temas musicais de "Laranja Mecânica", particularmente Purcell e Beethoven.
Olho agora para trás e vejo como se foi construindo o meu universo musical, esse de onde cresci e evoluí.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Em tempo de vindimas




















Que o vinho seja rubro como as maças do teu rosto
E os meus versos tão leves como os anéis do teu cabelo.
(1048-1131)

O quadro de Angelina Gomes faz parte da sua exposição "O Douro pela minha mão...." , a decorrer nas Caves "Wiese & Krohn, Sucrs", em Vila Nova de Gaia, até ao dia 29 de Outubro de 2010.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Ausência

Têm estranhado os meus amigos a minha ausência deste espaço. Na verdade tenho andado várias vezes pelos curtos comentários ou mensagens do Facebook. Mas claro que não é a mesma coisa. O Facebook tem a tentação da facilidade de troca de opiniões, mas não pemite a profundidade das mensagens, mais pensadas, que aqui se colocam; no FB não existe a presença contínua e a qualidade que aqui se consegue.Vamos então revitalizar este espaço e valorizar igualmente os blogues de tantos amigos que aqui fiz ao longo destes dois anos.

sábado, 14 de agosto de 2010

Queimada
















Esconjuro


Mochos, corujas, sapos e bruxas.
Demónios, trasgos e diabos,
espíritos das enevoadas veigas.
Corvos, píntigas e meigas:
feitiços das mezinheiras.
Podres canhotas furadas,
lar dos vermes e alimárias.
Fogo das Santas Companhas,
mau-olhado, negros feitiços,
cheiro dos mortos, trovões e raios.
Uivar do cão, pregão da morte;
focinho do sátiro e pé do coelho.
Pecadora língua da má mulher
casada com um homem velho.
Averno de Satã e Belzebu,
fogo dos cadáveres ardentes,
corpos mutilados dos indecentes,
peidos dos infernais cus,
mugido do mar embravecido.
Barriga inútil da mulher solteira,
falar dos gatos que andam à janeira,
guedelha porca da cabra mal parida.
Com este fole levantarei
as chamas deste fogo
que assemelha o do Inferno,
e fugirão as bruxas
a cavalo das suas vassoiras,
indo se banhar na praia
das areias gordas.
Ouvi, ouvi! os rugidos
que dão as que não podem
deixar de se queimar na aguardente
ficando assim purificadas.
E quando esta beberagem
baixe pelas nossas goelas,
ficaremos livres dos males
da nossa alma e de feitiço todo.
Forças do ar, terra, mar e fogo,
a vós faço esta chamada:
se é verdade que tendes mais poder
que as humanas pessoas,
aqui e agora, fazei que os espíritos
dos amigos que estão fora,
participem connosco desta Queimada.


O esconjuro da queimada foi escrito por Mariano Marcos Abalo em 1967 e revisto em 1974.
Assim o ouvi ontem, sexta-feira 13,  dito pelo Pe. Fontes.

domingo, 18 de julho de 2010

Wait a While

Depois de ter assistido ao concerto dos míticos e lendários Deep Purple, no Coliseu de Lisboa, resolvi ir à procura de Jon Lord, o único dos seus elementos que já se retirou (devido a um acidente). Fiquei feliz por saber que continua a fazer muito boa música. Encontrei-o com a Orquestra Sinfónica de Londres.
Recordam-se de Samantha Brown, a cantora que várias vezes colaborou com os Pink Floyd? Aqui está ela a cantar o belo tema de John Lord ''Wait a While'', acompanhada ao piano pelo autor e pela referida orquestra. Comovente e encantador!

terça-feira, 6 de julho de 2010

Tila


Caixinha de música


Grilo, grilarim,
Tens um canto azul
Na noite de cetim!

Cigarra, cigarraia,
Tens um canto branco
No dia de cambraia!

Formiga, miga, miga,
Só tu cantas os nadas
Do silêncio do Sol,
Das estrelas caladas...



 (1921-2010) 
in O Livro da Tila

Este delicioso livro inspirou Fernando Lopes-Graça a compor canções infantis para cada um dos poemas.
Estão publicadas no livro "As cançõezinhas da Tila", com cópias das partituras originais manuscritas, com belíssimas ilustrações de Maria Keil, e com um CD das canções cantadas pela Banda "Os Gambozinos" (Livraria Civilização Editora).
Uma preciosidade e uma bela homenagem à escritora hoje falecida.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Le bourgeois gentilhomme

Le Bourgeois gentilhomme (Lully), será apresentada no "Auditório Municipal Eunice Muñoz", Oeiras, dia 27 de Junho às 21.30 h.
(Coordenadas do local: 38°41'30.59" N; 9°18'45.93" W, Rua Mestre de Aviz, 2780 Oeiras)
Um grande produção com orquestra barroca, dança, teatro, canto.
Aqui convido os meus amigos a estar presentes!
(não, não serei bailarino, nem actor, nem cantor!)

Um exemplo musical:



Agora com o ballet:

domingo, 20 de junho de 2010

A maior flor do mundo

“E se as histórias para crianças passassem a ser de leitura obrigatória para os adultos? Seriam eles capazes de aprender realmente o que há tanto tempo têm andado a ensinar?” - José Saramago

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Declaração





















Não, não há morte.
Nem esta pedra é morta,
Nem morto está o fruto que tombou:
Têm vida no contorno dos meus dedos,
Respiram na cadência do meu sangue,
Do bafo que os tocou.
Assim um dia, quando esta mão secar,
Na lembrança doutra mão perdurará,
Como a boca guardará caladamente
O perfume da boca que beijou.

José Saramago
(1922-2010)
in Os poemas possíveis

quinta-feira, 10 de junho de 2010

O portugal futuro



O portugal futuro é um país
aonde o puro pássaro é possível
e sobre o leito negro do asfalto da estrada
as profundas crianças desenharão a giz
esse peixe da infância que vem na enxurrada
e me parece que se chama sável
Mas desenhem elas o que desenharem
é essa a forma do meu país
e chamem elas o que lhe chamarem
portugal será e lá serei feliz
Poderá ser pequeno como este
ter a oeste o mar e a espanha a leste
tudo nele será novo desde os ramos à raiz
À sombra dos plátanos as crianças dançarão
e na avenida que houver à beira-mar
pode o tempo mudar será verão
Gostaria de ouvir as horas do relógio da matriz
mas isso era o passado e podia ser duro
edificar sobre ele o portugal futuro

(1933-1978)

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Corpus Christi

Ave Verum Corpus, K.618 - conhecida obra que Mozart terminou a 17 Junho de 1791 para a festa litúrgica do Corpus Christi (expressão em latim que significa Corpo de Cristo) que hoje se celebra.
O poema/oração usado como texto do Ave Verum foi escrito no séc. XIV. Valerá a pena espreitar várias curiosidades nele contidas, descritas AQUI por L. Jean Lauand (Universidade de S. Paulo).
Fica como sugestão de audição a interpretação profundamente sentida do grande maestro Leonard Bernstein, dirigindo o Coro e Orquestra Sinfónica de Bayerischen Rundfunks:


sábado, 15 de maio de 2010

Tenho uma coisa para te devolver

Sharon Dror: Green blue


Tenho uma coisa para te entregar,
uma pedra a pôr no chão da rua,
uma lunar presença sob o sol.

Tenho uma coisa para te devolver,
para ficar minha sendo tua,
aquecida no tempo e nestes olhos.

Tenho uma coisa que eu te posso dar
que é o vento a vir atrás do verde
e a dizer azul no teu cabelo.
(n. 1934)

terça-feira, 11 de maio de 2010

Desafios à Igreja de Bento XVI

"Que fazer perante o número crescente de crentes que não frequentam a igreja?
Terá o Papa de continuar a governar sozinho a Igreja?
Qual o lugar de Fátima na Igreja?
Será que a Igreja, hoje, está ao lado dos pobres, imigrantes e marginalizados?
Quando verão as mulheres respeitados os seus direitos na Igreja?
Como responder à homossexualidade, à sida, à pedofilia?
Como dialogar com as outras Igrejas e religiões?
Pode e deve a fé conviver com a ciência?"

Estes e outros temas são reflectidos por personalidades portuguesas de reconhecida competência, neste livro publicado em 2005 mas perfeitamente actual.

Editor: Casa das Letras
ISBN: 9789724616292

Os autores:

A. Gomes Canotilho - Constitucionalista. Prof. catedrático da Fac. Direito da Univ. de Coimbra
Adriano Moreira - Prof.-Emérito da Univ. Técnica de Lisboa. Presidente do Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior
Guilherme D' Oliveira Martins - Advogado. Presidente do Centro Nacional de Cultura
António Vitorino - Advogado. Deputado. Antigo comissário europeu
João Duque - Prof. de Teologia Fundamental da Fac. de Teologia da Univ. Católica Portuguesa, Braga
João Maria André - Prof. catedrático de Filosofia da Fac. de Letras da Univ. de Coimbra
Pe. Peter Stilwell - Prof. da Fac. de Teologia da Univ. Católica Portuguesa
Alexandre Castro Caldas - Prof. catedrático da Fac. de Medicina da Univ. de Lisboa. Director do Instituto de Ciências da Saúde da Univ. Católica Portuguesa
Clara Pinto Correia - Universidade Lusófona. Centro de Estudos da História das Ciências Naturais e da Saúde
Teresa Martinho Toldy - Doutorada em Teologia. Prof. de Ética da Univ. Fernando Pessoa
Rui Coelho - Psiquiatra. Prof. da Fac. de Medicina da Univ. do Porto
Manuel Vilas-Boas - Jornalista da TSF e colaborador da Visão. Especialista em questões religiosas e de comunicação audiovisual
Dimas de Almeida - Pastor protestante. Prof. de Ciência das Religiões na Univ. Lusófona
D. Januário Torgal Ferreira - Bispo das Forças Armadas e da Segurança
Maria Julieta Mendes Dias - Religiosa do Sagrado Coração de Maria. Lic. em Teologia e Ciência das Religiões
Fr. Bento Domingues - Teólogo dominicano

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Os dedos iam bailando



Os dedos iam bailando
Sobre uma flauta encantada
Que se deixava acariciar suavemente
Por lábios que falavam música
E música que evocava sonhos
Imortalizados em partituras seculares…
Só em silêncio
Se escutava dignamente este despertar
De sons que se enamoravam no ar.
E os olhos e as mãos
Entregavam-se a ritmos conciliados
Com braços em asas
Que se faziam voar.
E a harmonia se instalava
Numa sala de soalho velho
Habitada por um piano preto
Com janelas abertas para um Rio
Que caminhava para o mar
E o músico…
Esse abandonou-se às sonâncias
Numa simbiose perfeita
E como o sol ao despedir-se em fim de tarde…
Ali se deixou imortalizar!



Assim descreve esta amiga a minha participação musical na tarde de poesia no Clube Literário do Porto, no dia 24 de Abril. Obrigado pelo belo poema!

sábado, 1 de maio de 2010

Um pássaro na cabeça

Rafał Olbiński: Magic Flute II


Bairro Livre

Meti o bivaque na gaiola
e saí com um pássaro na cabeça
Então não se faz a continência
perguntou o comandante
Não
não se faz a continência
respondeu o pássaro
Ah bom
desculpe julgava que se fazia a continência
disse o comandante
Ora essa toda a gente se pode enganar
disse o pássaro.

(1900-1977)
[Tradução de Eugénio de Andrade]

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Orvalho


-«Perdi a minha gota de orvalho!»
diz a flor ao céu da manhã,
que perdeu todas as estrelas.
(1861-1941)
In Aforismos

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Schumann por Horowitz

Schumann: Träumerei (ao piano, Horowitz)




Schumann por Horowitz

São herança camponesa, as mãos.
Estas pequenas mãos, de geração
em geração, vêm de muito longe:
amassaram a cal, abriram sulcos
frementes na terra negra, semearam
e colheram, ordenharam cabras,
pegaram em forquilhas para limpar
currais: de sol a sol nenhum
trabalho lhes foi alheio.
Agora são assim: frágeis, delicadas,
nascidas para dar corpo a sons
que, noutras épocas, outras mãos
se obstinaram em escrever como
se escrevessem a própria vida.
Ao vê-las, ninguém diria que
a terra corria no seu sangue.
São mãos envelhecidas, mas no teclado
são capazes do inacreditável: juntar
nos mesmos compassos o rumor
dos bosques em setembro e os risos
infantis a caminho do mar.

(1923-2005)

sábado, 24 de abril de 2010

Menina dos Olhos Tristes

Adriano Correia de Oliveira:




pensava dizer-te o 25 de abril na tua orelha
mulher
mataram o teu filho do outro lado do mar

Óscar Possacos

quarta-feira, 21 de abril de 2010

O poema nasce

Picasso: [Retrato de Marie-Thérèse Walter]















O poema nasce
dentro das tuas mãos
sempre que repousa
nelas o teu rosto.

Não é uma canção:
são os lábios apenas
quando despertaram
antes da palavra.

Arquitectura última
que depois se eleva,
porque tu a criaste
para sempre livre...

Fernando Guimarães

domingo, 18 de abril de 2010

As rosas em cadeias

Johana Svoboda: Rosas de ouro


















Na Primavera, a vi dormindo;

logo a prendi, atada em rosas.
Não as sentiu, no sono fundo.

Fitei-a bem, pende-me a vida
por este olhar, da sua vida!
Assim senti, mas não sabia.

Só um murmúrio, falei sem fala,
e sacudiu-lhe os róseos laços.
E ela acordou, do fundo sono.

Fitou-me bem, pende-lhe a vida,
por este olhar, da minha vida.
E à nossa volta, é o Paraíso.
(1724-1803)
(trad. de Jorge de Sena)

sábado, 17 de abril de 2010

Chaconne

Chaconne da Partita Nº 2 em Ré menor, BWV 1004, de J. S. Bach.

Diz-se ser a peça mais difícil alguma vez escrita para um instrumento a solo, tal a dificuldade em executá-la de forma a conseguir que todas as vozes e harmonias escondidas se tornem presentes. Dentro da harmonia da Chaconne estão as notas do coral "Christ lag in Todesbanden" (Cristo jaz nos laços da morte), com que representa a tristeza da morte e a esperança numa vida eterna. Bach terá provavelmente composto a Partita Nº 2 como um memorial fúnebre à sua primeira esposa, Maria Barbara.

Brahms (1883-1897), que chegou a fazer uma transcrição para piano desta peça, disse: "A Chaconne BWV 1004 é na minha opinião uma das mais maravilhosas e misteriosas obras da história da música. Adaptando a técnica a um pequeno instrumento, um homem descreve um completo mundo, com os pensamentos mais profundos e sentimentos mais poderosos. Se eu podesse imaginar-me a escrever, ou até mesmo conceber uma obra, tenho certeza de que a extrema excitação e a tensão emocional me deixariam louco."


Ouviremos aqui a belíssima interpretação de Viktoria Mullova

Parte 1

Parte 2:

quarta-feira, 14 de abril de 2010

A taça da fruta

Angelina Gomes: A taça da fruta


Natureza morta com maçãs

É triste
o espectáculo do amor
apodrecendo aos poucos
na fruteira
as maçãs que te trouxe
têm agora a pele seca e enrugada.

Luís Filipe Parrado

Luís Filipe Parrado nasceu no Seixal, em 1968, onde vive.
É professor de Português no ensino secundário.
É uma das mais consistentes revelações poéticas dos últimos anos.

domingo, 11 de abril de 2010

No imenso bosque da vida

J. S. Bach, Sinfonia da Cantata BWV 29 (transcrição para 2 harpas)
Harpa: Andreia Marques e Carmen Cardeal



No imenso bosque da vida
encontrei uma árvore em flor.
Já partiu,
sem eu saber quem era.

José Rui Fernandes
(à memória da colega Andreia Marques)

sábado, 10 de abril de 2010

Monólogo da oliveira

Gogo Korogiannou: Olive Tree
















Sobrevivo com uma pinga de água.
Um olhar de quem passa dá e sobra

muitos meses, um sorriso me basta
para reverdecer por longos anos

- a minha copa foi feita de sonho
e de coisas exactas e tão negras

como pequeno bago de azeitona.
Sinais minúsculos e trespassados

de luz na cerração densa da morte.
Vi romanos, e moiros, e judeus:

o par de mansos olhos do Cordeiro
no meu tronco perdura até ao fim.
José António Almeida

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Ainda não é tarde



Ainda não é tarde, dizem os amigos
aos quarenta anos. Amam as canções
e as cidades estranhas que o desejo
guarda: a pressa de Junho nas escadas
do metro e essa livraria à beira do rio –
só a descobrimos no último dia, a pena

que foi
. No fim da estação regressam
iguais com histórias diferentes, gratos
souvenirs. Ainda não é tarde, nada
está perdido (e ninguém lhes dá
a idade que têm). Aos quarenta anos
não sabem dizer o que aconteceu,

mas quando se juntam à roda da mesa
na vaga euforia que a hora consente,
já quase acreditam que podem voltar
à pequena praça, à luz entrevista de um
quarto de hotel, onde a noite é nova
e toda a beleza se há-de cumprir

Rui Pires Cabral
in Oráculos de cabeceira

Rui Pires Cabral nasceu em Outubro de 1967 em Macedo de Cavaleiros. Licenciou-se em História-Arqueologia em 1990. Publicou em 1985 um livro de contos mas foi através da poesia que a sua escrita atingiu um assinalável grau de maturidade. A toada mais abstracta do seu primeiro livro deu lugar nos mais recentes, a uma poesia metonímica e figurativa quantas vezes surpreendente, onde as viagens, as cidades e a música são pretexto para uma escrita prosódica muito nítida. Rui Pires Cabral não esconde um gosto por um presente concreto no que de episódico e narrativo possa ter, e onde o mais pequeno acontecimento ou cena citadina serve para dele extrair um poema.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

O que estou a ouvir

La Barcha d'Amore é uma compilação de gravações feitas por Jordi Savall, Montserrat Figueras e habituais colaboradores, entre 1976 e 2008, com obras compostas entre 1563 e 1685. Geralmente as compilações tiradas de várias gravações feitas em locais diferentes e durante muitos anos, são muitas vezes desconexas e sonoramente incoerentes, mas neste caso tal facto não desfavorece. A música é estilisticamente compatível e estes artistas são tão consistentes na qualidade, no cuidado e na vitalidade de suas performances, que pouco importa mais ou menos 30 anos!
Um CD delicioso, como o amor como tema de fundo, e onde sobressaem belos temas cantados por Montserrat Figueras.
Podem ouvir-se excertos AQUI.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Bach Segóvia Guitarra



A música do ser
Povoa este deserto
Com sua guitarra
Ou com harpas de areia

Palavras silabadas
Vêm uma a uma
Na voz da guitarra

A música do ser
Interior ao silêncio
Cria seu próprio tempo
Que me dá morada

Palavras silabadas
Unidas uma a uma
Às paredes da casa

Por companheira tenho
A voz da guitarra

E no silêncio ouvinte
O canto me reúne
De muito longe venho
Pelo canto chamada

E agora de mim
Não me separa nada
Quando oiço cantar
A música do ser
Nostalgia ordenada
Num silêncio de areia
Que não foi pisada

domingo, 4 de abril de 2010

Et Resurrexit

Aqui desejo a todos os meus leitores e amigos uma boa Páscoa, que para os crentes a desejo santa. Agradeço a todos os que me enviaram idênticos votos.

Da Missa em Si Menor, BWV 232, de Johann Sebastian Bach: Et Resurrexit,
La Chapelle Royale e Collegium Vocale Gent dirigidos por Philippe Herreweghe.

sábado, 3 de abril de 2010

O Salutaris Hostia

Para este Sábado que se deseja tranquilo, sugiro um tema que junta o saxofone de Jan Garbarek às vozes renascentistas dos The Hilliard Ensemble: O Salutaris Hostia [Pierre de la Rue (1452—1518)]

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Stabat Mater

Stabat Mater (versão composta por Pergolesi), um tema para esta Sexta-feira... Santa, para quem assim o entender.

Les Talens Lyriques; Direcção, Christophe Rousset

Sabina Puertolas, soprano; Vivica Genaux, mezzosoprano

quarta-feira, 31 de março de 2010

Geologia

Kirstie Cohen: Ice Mountain

Andamos horrorizados com as notícias. Corrupção, pedofilia, terrorismo...
Serenamente aceitamos as dificuldades que a natureza nos traz... mais difícil é aceitar o que de mau vem do coração do homem. Gente de bem, protegem-se uns aos outros... mas um dia o chão pode virar.

José Rui

GEOLOGIA

Às vezes são homens de bem
empurrados para esta vida,
resquícios de erosão da montanha,
paisagens antigas
enterradas sob o gelo.

Nada está garantido
numa geologia tão frágil. Este chão
pode virar-se sem aviso.
Ainda assim, sejam bem-vindos,
fiquem tristes à vontade.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Hormona, meu amor

Através de uma amiga no Facebook, tomei conhecimento de um artigo publicado no caderno de ciência do Diário de Notícias. Já tem algum tempo, mas não passou a sua validade e interesse:


O amor, hormona a hormona
por S.G.09 Fevereiro 2009

«As formas de aproximação dos indivíduos variam consoante a produção de hormonas: do impulso sexual ao amor companheiro, descubra as hormonas na origem de cada fase na relação de um casal.
"Para a satisfação do impulso sexual qualquer coisa serve", considera António Santinho Martins, endocrinologista e sexólogo. Quando se procura apenas a satisfação física, é a hora da testosterona, tanto para os homens como para as mulheres. Se, por um lado, um alto nível desta hormona parece contribuir para a predisposição sexual, depois da excitação também ajuda a preparar o corpo para a relação sexual.
Porém, o prazer que se retira de um simples impulso sexual pode resultar numa maior aproximação do casal, numa paixão a que os especialistas chamam "amor romântico". Este tipo de amor é marcado por emoções intensas, rápidas mudanças de humor e erotismo. "No amor romântico há uma fase de monomania, de obsessão pelo namorado", refere Santinho Martins.
No entanto, o sexólogo confirma que esta paixão ardente também pode ser perigosa se demorar muito tempo: "Há um grande desgaste energético. Começa-se a afastar dos amigos, da família, dos deveres familiares." E a culpa é de três neurotransmissores: o aumento de dopamina e noradernalina proporcionam energia e boa disposição. Já a diminuição da serotonina parece contribuir para o sentimento de obsessão pelo outro.
Catarina Soares, psicóloga clínica, considera que esta fase de paixão "terá a função de juntar pessoas, mas tem de ser breve devido à sua intensidade". Chegará então a altura de pôr fim à paixão. Ou porque as pessoas percebem que "não são capazes de viver juntas" ou porque se passa à fase do "amor companheiro", entende Catarina Soares. O amor companheiro é construído pelo afecto de duas pessoas que vêem as suas vidas ligadas, como é o caso de casais que estão junto há muito. Duas hormonas fomentam esta fase de vínculo. A ocitocina, chamada "hormona do amor", tem a faculdade de ligar as pessoas e de suscitar prazer. Já a vasopressina é uma promotora de fidelidade


Apetece perguntar: Iremos um dia tratar o amor com comprimidos?

domingo, 28 de março de 2010

Também este crepúsculo

Beethoven: Romance para Violino e Orquestra Nº 2 (Ann Fontanella, Violino)


Também este crepúsculo nós perdemos.
Ninguém nos viu hoje à tarde de mãos dadas
enquanto a noite azul caía sobre o mundo.

Olhei da minha janela
a festa do poente nas encostas ao longe.

Às vezes como uma moeda
acendia-se um pedaço de sol nas minhas mãos.

Eu recordava-te com a alma apertada
por essa tristeza que só tu me conheces.

Onde estavas então?
Entre que gente?
Dizendo que palavras?
E porque vem até mim todo o amor de repente
quando me sinto triste, e te sinto tão longe?


Caiu o livro que sempre escolhíamos ao crepúsculo
e como um cão ferido rolou a meus pés minha capa.

Sempre, sempre te afastas pela tarde
para onde o crepúsculo corre apagando as estátuas.


Pablo Neruda (1904-1973)
in Vinte poemas de amor e uma canção desesperada

quarta-feira, 24 de março de 2010

Descubra a diferença

Não compro CDs ou DVDs de música barroca sem ser interpretada com instrumentos idênticos aos da época, e interpretada de acordo com o rigor estilístico do que hoje sabemos sobre a música dessa época (de 1600 a 1750).
Não se trata de uma birra, musicalmente faz toda a diferença! As grandes massas orquestrais e interpretações ao estilo romântico, desvirtuam completamente as obras. Vamos fazer aqui uma comparação usando a conhecida Ária da Suite de Orquestra Nº3, BWV 1068.
Uma orquestra moderna - reparem na uniformidade sonora e na ausência de fraseado e da característica ornamentação típica do barroco. Parece um discurso quase sem pontuação! E reparem que escolhi a versão de um conceituado maestro que todos conhecem: Herbert von Karajan.




Agora uma interpretação autêntica (em instrumentos e em estilo), tocada por Amsterdam Baroque Orchestra, dirigida por Ton Koopman. Reparem na clareza das linhas melódicas, o diálogo entre os instrumentos, a riqueza das subtilezas tão elegantemente criadas pela ornamentação, a suavidade das cordas (de tripa, como na época), o cuidado nas arcadas... tudo é diferente! Esta é a música barroca!


Acredito que para alguns ouvidos ainda "presos" às interpretações de tradição romântica, seja mais fácil ouvir a versão com instrumentos modernos. Mas olhem que não era assim que se tocava na época de Bach... comparando com um quadro, diria que esta interpretação é uma reprodução próxima do original, enquanto a anterior não é mais que um cartaz (bastante ampliado!).

segunda-feira, 22 de março de 2010

domingo, 21 de março de 2010

Dia Mundial da Poesia

Celebra-se hoje o Dia Mundial da Poesia. Criado na XXX Conferência Geral da UNESCO em 16 de Novembro de 1999, tem propósito de promover a leitura, escrita, publicação e ensino da poesia através do mundo.

Não sendo eu poeta, delicio-me lendo a arte de outros, e essa aqui procuro divulgar.

Como dizia Jorge Luís Borges, "Que outros se gabem dos livros que lhes foi dado escrever, eu gabo-me daqueles que me foi dado ler."

A divina tarefa

Susan Hazard: Spring Poppies I (2005)
(As nossas mãos humanas vão fazendo com que cada Primavera nasça mais triste. E há tanta beleza em cada flor que desperta... divina, essa tarefa que a natureza tão bem realiza!)

Não, tu não sabes abrir os botões
e convertê-los em flores.
Sacode-los, bates-lhes...
mas não está em ti fazê-los florescer.
Mancha-os a tua mão;
rasga-lhes as folhas
desfá-los na poeira...
mas não tira deles
nem cor nem perfume.

Ai tu não sabes abrir o botão
e convertê-lo em flor!
O que pode abrir os botões,
fá-lo tão naturalmente!

Olha-os, nada mais,
e a seiva da vida
corre pelas veias das folhas.
Toca-os com o seu bafo,
e a flor abre as asas
dando voltas no ar;
aparecem as suas cores
ruborizadas como anseios do coração;
e o perfume
trai o seu doce segredo.
Ai, o que sabe abrir os botões,
fá-lo tão naturalmente!
(1861-1941)

quarta-feira, 17 de março de 2010

Haja o que houver

Quem leu o meu perfil ou visitou o meu MySpace já percebeu que gosto de música electrónica. Contra-senso para quem teve formação clássica? Nem por isso! A dita clássica também usa electrónica!
Mas o tema que aqui lembro, Haja o que houver, nem sequer é clássico, e tornou-se num clássico. É uma das mais belas baladas da música portuguesa. Mas poucos se lembrarão da versão electrónica! Foi editada num CD quase marginal: Madredeus Electrónico

segunda-feira, 15 de março de 2010

Passamos pelas coisas sem as ver


Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Bach Panther

Quem não se recorda do standard de Jazz usado no genérico da "Pantera Cor-de-Rosa"?
Aqui o temos tocado por The Terry Gibbs Band com o próprio compositor, Henry Mancini, ao Piano:



E se este tema servisse de base a uma composição ao estilo das fugas de Bach?
Isso o fez Stéphane Delplace, com um resultado extraordinário.
Tem passado regularmente no canal Mezzo:

sexta-feira, 5 de março de 2010

Meu país desgraçado

Joana Vasconcelos: Coração Independente


















Meu país desgraçado!...
E no entanto há Sol a cada canto
e não há Mar tão lindo noutro lado.
Nem há céu mais alegre do que o nosso,
Nem pássaros, nem águas…

Meu país desgraçado!...
Por que fatal engano?
Que malévolos crimes
teus direitos de berço violaram?

Meu Povo
de cabeça pendida, mãos caídas,
de olhos sem fé
- busca, dentro de ti, fora de ti, aonde
a causa da miséria se te esconde.

E em nome dos direitos
que te deram a terra, o Sol, o Mar,
fere-a sem dó
com o lume do teu antigo olhar.

Alevanta-te, Povo!
Ah!, visses tu, nos olhos das mulheres,
a calada censura
que te reclama filhos mais robustos!

Povo anémico e triste,
meu Pedro Sem forças, sem haveres!
- olha a censura muda das mulheres!
Vai-te de novo ao Mar!
Reganha tuas barcas, tuas forças
e o direito de amar e fecundar
as que só por Amor te não desprezam!


terça-feira, 2 de março de 2010

A paz sem vencedor e sem vencidos

Uma homenagem à Organização das Nações Unidas,
a quantos ao seu serviço têm dado a vida para que outros a tenham,
para que haja Paz e não apenas a ausência de guerra.












Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos
Que o tempo que nos deste seja um novo
Recomeço de esperança e de justiça.
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Erguei o nosso ser à transparência
Para podermos ler melhor a vida
Para entendermos vosso mandamento
Para que venha a nós o vosso reino
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Fazei Senhor que a paz seja de todos
Dai-nos a paz que nasce da verdade
Dai-nos a paz que nasce da justiça
Dai-nos a paz chamada liberdade
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Sophia de Mello Breyner Andresen
in Dual (1972)

segunda-feira, 1 de março de 2010

O Canto do Cisne

Nunca o ouvi.
Que seja inextinguível.
Ou então silencioso
por pudor e tremendo
de raiva.
E que dure o bastante
para que nada fique por cantar.
in A Luz Fraterna

Saint-Saëns (1835-1921): Le Cygne
No Violoncelo: Mischa Maisky. Uma interpretação dentro do melhor que já ouvi!

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Amo o teu túmido candor de astro

Pin, trouxe para aqui algumas das tuas flores!
Não para que fiques sem elas; só para que continuem a ter vida...

Amo o teu túmido candor de astro
a tua pura integridade delicada
a tua permanente adolescência de segredo
a tua fragilidade sempre altiva
Por ti eu sou a leve segurança
de um peito que pulsa e canta a sua chama
que se levanta e inclina ao teu hábito de pássaro
ou à chuva das tuas pétalas de prata
Se guardo algum tesouro não o prendo
porque quero oferecer-te a paz de um sonho aberto
que dure e flua nas tuas veias lentas
e seja um perfume ou um beijo um suspiro solar
Ofereço-te esta frágil flor esta pedra de chuva
para que sintas a verde frescura
de um pomar de brancas cortesias
porque é por ti que nasço
porque amo o ouro vivo do teu rosto.

António Ramos Rosa
in O Teu Rosto (1994)

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Bist du bei mir

Stölzel: Bist du bei mir
Klaus Mertens, barítono; Ton Koopman, órgão



Esta ária foi durante muito tempo atribuída a Bach, por estar incluída no livro que ofereceu a sua esposa, Ana Madalena, em 1725. Parece algo de mórbido, mas na obra de Bach a morte aparece frequentemente retratada como uma alegria, o tão esperado encontro com Deus.

Bist du bei mir, geh ich mit Freuden
Zum Sterben und zu meiner Ruh.
Ach, wie vergnügt wär so mein Ende,
Es drückten deine schönen Hände
Mir die getreuen Augen zu.

Em português:

Se estiveres comigo, partirei com prazer
para a minha morte e para meu descanso.
Ah, que final agradável para mim,
Se as tuas queridas mãos forem o último que eu veja,
fechando os meus fiéis olhos para descansar!

---=oo=---

Agora o soneto de Pablo Neruda que esta ária me recordou:

Quando eu morrer quero as tuas mãos nos meus olhos:
quero que a luz e o trigo das tuas mãos amadas
passem uma vez mais sobre mim e a sua frescura:
que sintam a suavidade que mudou o meu destino.

Quero que vivas enquanto eu, dormindo, te espero,
quero que os teus ouvidos continuem a ouvir o vento,
que sintas o perfume do mar que ambos amamos
e continues a pisar a areia que pisamos.

Quero que tudo o que amo continue vivo
e a ti amei-te e cantei-te sobre todas as coisas,
por isso, ó florida, continua a florir,

para que alcances tudo o que o meu amor te ordena,
para que a minha sombra passeie pelos teus cabelos,
para que assim conheçam a razão do meu canto.


Pablo Neruda (1904-1973)
in Cem Sonetos de Amor

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Arte 2010

Aqui fica uma sugestão aberta a todos quantos queiram desenvolver os seus dotes artísticos! Uma realização da escola de música onde ensino.
Fica a notícia e o desafio!

De Amor, de Terra, e de Água

Há mais de um ano comecei a ler os poemas de Maria Mamede no seu blogue
De Amor e de Terra.
Mais tarde, pelos meus anos, uma grande amiga fez-me a surpresa de me oferecer o seu livro Lume.
Outros dos seus livros, dos quais já falei anteriormente, vieram até mim e me encantaram.
Desta vez tive o gosto conhecer pessoalmente a autora, e de participar no lançamento do seu livro Da água toda. Embalado nos seus poemas, senti-me tocar cada um deles, como se a Flauta fosse um prolongamento da clareza, expressividade e doçura da sua voz. Não procurei acompanhá-los como uma música de fundo, mas sim que o som da Flauta fosse naquele momento uma parte deles.

Este lançamento foi também um encontro de amigos, dos blogues e fora deles. E dos amigos dos amigos. Obrigado a todos que marcaram presença, e aos que, não podendo estar, desejaram o melhor para esta apresentação e para o mini-recital (grande em prazer) que pude oferecer a Maria Mamede.
Deixo o poema de abertura deste livro, esperando que abra o apetite a que leiam todos os outros que dele fazem parte.

Da água toda

Da água te falei amor, da água
e de lágrimas salgadas pela mágoa
imensa aridez em cada vida;
e do sal te disse amor, do sal
que salga, que tempera, o bem, o mal
e a hora da chegada e da partida!...
de lagos, de pântanos, de medos
e de mares de água e de segredos
de rios, rios férteis de abundância
de mares unos de sonhos tão dispersos
de oceanos de limos, os meus versos
e de marés de amor, suma fragrância!...

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Susana

Com este aclamativo andamento do Oratório Susanna, de Handel, saúdo a minha amiga Susana que hoje festeja o seu 40º aniversário! Parabéns!


Les Arts Florissants, direcção de William Christie (2009)