quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Carta de José a José

Eu te digo, José: por esta carta
Não garanto mentira nem verdade:
A ciência de mim se aparta
Desta náusea de ser e de vontade.
São inúteis cobiças, vãos desgostos,
São braços levantados, já caídos,
São as rugas que vincam os cem rostos
Da comédia e do jogo repetidos.
Desse lado da mesa (ou deste espelho)
Vais seguindo as palavras invertidas:
Verás melhor assim se (quanto) valho
Ao invés dos sinais e das medidas.
(Correm águas geladas no meu rio,
E mortos cantos de aves, derivando
Por silêncio frustrado e calafrio,
Vão manhã doutro dia recordando.)
Cai a chuva do céu, e não te molha,
Está a noite entre nós, e não te cega.
Não sorrias, José: à tua escolha
O que me sobra de alma se me nega.
Desse lado da mesa, onde me acusas,
Te levantas. A marca do teu pé,
Na soleira da porta que recusas,
Fecha de vez a carta abandonada.
Tua sombra pisada, teu amigo — José.

3 comentários:

  1. quanto preciso de escrever-me,
    apenas para que me oiça
    e não invente as palavras
    que os meus lábios proferem
    apenas para que as oiça
    apenas porque são elas
    as que quero ouvir da tua boca
    quanto quero desviar-me do óbvio
    evidentemente sem mudar de rumo
    seguir o caminho trilhado
    por seguros passos
    que os os meus pés não deram
    percorrer uma vida que não é a minha
    e, quem sabe, num tempo
    que nunca foi o meu
    gostei de escrever-me!


    um abraço
    luísa

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  2. Já está. Eu disse que as palavras queriam sair. Lês?
    http://waterdreaminmysleep.blogspot.com/2009/09/notas-musicais-na-primeira-pessoa-do.html

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  3. Hum... eu tinha deixado aqui um comentário antes do anterior?!
    Dizia que me tinha fartado de procurar para chegar a este canto. Que valeu a pena voltar aqui. O poema. Dizia que me lembrei de ti porque havia palavras a incomodar-me. Agora já não há. Já as escrevi.

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