A possible dream
William Duncan
Se eu vos disser: «tudo abandonei»
É porque ela não é a do meu corpo,
Eu nunca me gabei,
Não é verdade
E a bruma de fundo em que me movo
Não sabe nunca se eu passei.
O leque da sua boca, o reflexo dos seus olhos
Sou eu o único a falar deles,
O único a ser cingido
Por esse espelho tão nulo em que o ar circula através de mim
E o ar tem um rosto, um rosto amado,
Um rosto amante, o teu rosto,
A ti que não tens nome e que os outros ignoram,
O mar diz-te: sobre mim, o céu diz-te: sobre mim,
Os astros adivinham-te, as nuvens imaginam-te
E o sangue espalhado nos melhores momentos,
O sangue da generosidade
Transporta-te com delícias.
Canto a grande alegria de te cantar,
A grande alegria de te ter ou te não ter,
A candura de te esperar, a inocência de te conhecer,
Ó tu que suprimes o esquecimento, a esperança e a ignorância,
Que suprimes a ausência e que me pões no mundo,
Eu canto por cantar, amo-te para cantar
O mistério em que o amor me cria e se liberta.
Tu és pura, tu és ainda mais pura do que eu próprio.
Paul Eluard in "Algumas das Palavras"
Tradução de António Ramos Rosa
Tradução de António Ramos Rosa
desenhei-te, tão e qual os meus olhos viam!
ResponderEliminarmoreno, sereno,
de sorriso matreiro nos lábios.
na menina do teu olho a minha imagem!
morena, serena,
de sorriso a querer despontar, também nos lábios!
no meu esboço sentavas-te num banco de jardim.
descontraído, ausente,
de cabeça posta na lua.
foram-se riscando os pormenores de ti neste meu papel, pela mão que guiava lápis coloridos.
a minha mão!
um chapéu de feltro, uma flauta transversal, um traje simples, uma flor entre os dedos que esperava ser entregue. no meu desenho, naturalmente entregue a mim! um caderno, uma caneta, um assobio que trinavas para chamar os pintassilgos, um saquito de sementes, um poema que já tinha musa. no meu desenho, naturalmente eu! uma merenda, uma manta azul, uma caixa de segredos, uma canção. no meu desenho, naturalmente para a cantares para mim!
o desenho tinha até uma casa com chaminé, cortinas nas janelas, vasos na soleira, e conseguia ter aroma de aletria recentemente polvilhada de canela.
no desenho havia um rio, uma ponte, uma nuvem, um braço de mar, havia a noite, havia o dia, havia até uma romaria e havia tanto para contar!
no desenho estavas tu,
e estava eu a desenhar!
um abraço
luísa
Ramos Rosa é sem dúvida um ENORME POETA e surpreendente, SEMPRE!
ResponderEliminarUm beijo e obgd pela partilha.
Maria Mamede